sexta-feira, 27 de abril de 2012

Itinerário de Pasárgada


"A certa altura da vida vim a identificar essa emoção particular com outra — a de natureza artística. Desde esse mo­mento, posso dizer que havia descoberto o segredo da poesia, o segredo do meu itinerário em poesia." Itinerário de Pasárgada, Manoel Bandeira

 Meu primeiro contato com Manoel Bandeira foi quando li o poema Trem de Ferro. Confesso que não gostava de poesia não... Mas, é para isso que existe a escola/faculdade,  pra nos fazer ler textos, autores e os mais variados gêneros literários, que por pura preguiça/e ou preconceito ( em meu caso ) nunca seriam lidos. Depois de Manoel Bandeira, comecei a me apaixonar por poesia, e, nesta minha jornada pessoal pelo conhecimento, adquiri a mais profunda admiração por aqueles que sabem manusear as letras de forma poética.
Pois bem, voltando a falar deste Recifense ilustre, que abandonou os estudos por causa da tuberculose. O que antes era divertimento, tornou-se uma ocupação: ser poeta. Mas, quem o lê, sabe que não se lamentava por sua condição, não culpava a ninguém por sua doença. Escrevia, pois em sua opinião "... a poesia está em tudo - tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas".

Seu mais famoso poema, Vou-me embora pra Pasárgada, exterioriza o mito de felicidade do Autor. Lá, ele poderia ser, fazer, desejar; livre de todas as limitações presentes em sua vida diária.
Sobre o poema disse: “Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”.


VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água.
Pra me contar histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
"Uma tarde voltei para casa seriamente impressionado de ter ouvido, na Livraria José Olympio, Rachel de Queiroz me dizer: "Você não sabe o que a sua poesia representa para nós." Foi a força de testemunhos co­mo esse, às vezes de gente quase de todo alheia à literatura, que principiei a aceitar sem amargura o meu destino. Hoje na verdade me sinto em paz com ele e pronto para o que der e vier." Itinerário de Pasárgada, Manoel Bandeira
O livro Itinerário de Pasárgada é uma narrativa da trajetória de Manoel Bandeira no vasto universo das letras. Ainda me lembro da pergunta que minha Professora fez, ao terminar de ler o poema "Vou-me embora pra Pasárgada":  "e você, tem uma Pasárgada pra onde ir?"

"a regalar-nos com a mesa que nos preparava D. Sara; e será negra ingratidão se um dia, em nossas reminiscências escritas, não levantarmos um monumento de glória àquelas peixadas, àquelas gali­nhas de cabidela, àquelas papas, àqueles bifes de cebolada com que a paciente senhora nos compensava da imensa pena de existir." Itinerário de Pasárgada, Manoel Bandeira

      Peixada à Baiana
1 kg. de garoupa ou cação,1 maço picado de coentro,1 cebola grande picada,uma pitada de salsinha,sal,cebolinha verde fatiada a gosto,1 limão,2 colheres (sopa) de azeite de dendê,4 tomates,1 vidro de leite de coco
Pirão
      caldo do cozimento,farinha de mandioca crua
     
    Modo de Preparo:
      Deixe de molho o peixe nos temperos por no mínimo 40 minutos . Coloque em uma panela grande, adicione o leite de coco, o azeite de dendê e os tomates batidos no liquidificador.    Cozinhe em fogo brando até o peixe ficar cozido. Se perceber que o caldo está pouco, adicione mais água. Sirva com arroz branco e o pirão.
      Pirão: retire um pouco do molho que se formou do cozimento da peixada, coloque numa panela pequena, em fogo brando, e vá adicionando a farinha de mandioca aos poucos, até a consistência desejada.





quarta-feira, 25 de abril de 2012

Ler devia ser proibido

Recebi, por e-mail, recentemente, este texto. Comi cada pedaço, sem deixar nenhuma migalha, deste manjar delicioso criado pela escritora, dramaturga, historiadora e filósofa brasileira Guiomar de Grammont, nascida em Ouro Preto, Minas Gerais. Sem desmerecer os outros Estados de nossa República Federativa, eu particularmente acho que deve ter algo de sobrenaturalmente bom em Minas Gerais... Será o ar, a água, que faz essa gente pensante por demais? Sem entender os motivos, vou me deliciando e compartilhando do melhor de nossa gente.
Pra quem conhece essas palavras, é bom ler de novo. E, pra quem não conhece, é um caso a pensar : será que entendo o que leio? Tenho cuidado de arrebanhar, diante das enxurradas de informações, o que é realmete útil? Existe algum interesse obscuro para que não procuremos o conhecimento sadio e libertador?
Pensando nisto, vamos ao texto.


Ler devia ser proibido


A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

Guiomar de Grammon, In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro - Argus, 1999. pgs.71-73